Serra da Estrela – Marcha de Gouveia a Loriga

Relato

   
Serra da Estrela

Na estação da Pampilhosa (2005)

Partida de Aveiro até à Pampilhosa e depois até Mangualde. Em Mangualde, uma boleia levou-nos até Gouveia, ponto de início da nossa marcha em autonomia.

À chegada a Gouveia decidimos comer qualquer coisa antes de iniciarmos a marcha. O problema é que ‘qualquer coisa’ não existe no dicionário do grupo, pelo que cada um tratou de encher o bandulho.

Barriguinhas cheias, pernas ao caminho. E que caminho, se calhar devíamos ter comido apenas ‘qualquer coisa’!

Serra da Estrela

No acampamento contemplando as ovelhas (2005)

Começámos por uma subida íngreme que acabou por se revelar como sendo a única deste primeiro dia. Pelo caminho passámos pelo Curral do Negro, junto ao Parque de Campismo, e depois fomos improvisando por diversos trilhos que nos permitiram fugir ao estradão principal, encurtando o caminho.

A chegada à Portela marcou o fim da longa subida. Nesta primeira parte superámos cerca de 300 metros de desnível o que, carregados e de barriga cheia, não foi fácil.

A descida para a Capela da Srª de Assedasse decorreu sem grandes problemas.

Estabelecemos acampamento junto à referida capela, perto de um rebanho de cabras e ovelhas. O pastor cumprimentou-nos sem qualquer ar de desconfiança ou preocupação pelo facto destes cinco ‘estrangeiros’ montarem as tendas mesmo à porta da capela.

Preparámos a refeição e, após a mesma, demos início ao já habitual torneio de sueca.

 
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Subindo a serra logo pela manhã (2005)

A frescura da manhã não convidava à saída dos sacos-cama mas um a um lá fomos saindo da tenda. Era tempo de preparar o pequeno-almoço e arrumar tudo na mochila (tarefa ingrata e nem sempre fácil).

Para iniciar a segunda etapa nada melhor do que uma boa subida. No final, um chocolate ajudou a retemperar as forças e a ganhar ânimo para o resto da jornada.

Após a subida a paisagem tornou-se deslumbrante, com vista para o vale do Rio Zêzere e para as torres ainda bem lá no alto da serra. Aqui demos por nós a pensar no quanto nos faltava caminhar para lá chegar.

Descemos na direcção de Valhelhas por um largo estradão. Pelo caminho, a povoação surge-nos em vista por diversas vezes, mas a descida dura uma eternidade. Mais de uma hora depois calcámos a estrada já na vila. Chegámos com os pés muito doridos, bastante cansados, e desesperados por comer e beber.

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Em Valhelhas a comer umas Bogas do rio (2005)

Depois de indagarmos uns velhotes sobre um local para comer lá nos dirigimos para uma casa de pasto que, segundo eles, ficava apenas a uns 300 metros. Foram os metros mais longos das nossas vidas.

Na casa de pasto, com as mochilas no chão e de pés descalços, lá nos deliciámos com umas bogas do rio e uns pica-paus, regados por muita cerveja e vinho. Bem tínhamos merecido estes mimos.

De barriga cheia e já descansados partimos em busca de um local para acampar.

Seguimos o Rio Zêzere e acampámos num local com acesso ao mesmo. Colocámos as roupas e as tendas a secar ao Sol que se fazia sentir bastante quente e deitámo-nos a descansar.

Depois da sesta arriscámos um banho no rio o que, dada a temperatura das suas águas, não foi tarefa fácil.

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Acampamento com luxos para o jantar (2005)

Após tão difícil tarefa para manter a higiene em dia era chegada a hora do jantar.

Durante a preparação do repasto foram várias as surpresas gastronómicas que foram surgindo: cogumelos, carne de búfalo seca e até uma garrafa de vinho tinto da região do Dão (é verdade, há quem carregue uma garrafa de vinho às costas).

Mais uma etapa do torneio de sueca e era chegada a hora de dormir. De repente, soaram dois tiros de caçadeira. Se calhar confundiram o ressonar de alguns de nós com o roncar de um javali. No entanto, nada de grave aconteceu e o incidente não se voltou a repetir.

Durante a noite o frio apareceu e as condições atmosféricas pareceram querer mudar. Más notícias porque ainda havia tanto caminho a percorrer!

 
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A caminho de Verdelhos (2005)

O dia estava limpo e ensolarado. Afinal o bom tempo manteve-se. Levantado o acampamento rumámos a Verdelhos, outra aldeia que é cruzada pelo nosso itinerário.

Caminhámos por trilhos planos, à beira rio, com piso e paisagem bem agradável. O primeiro problema surgiu com uma linha de água profunda que nos cortava o caminho, implicando dar uma volta grande para a contornar.

Depois de estudar o terreno decidimos descer a vertente, transpondo a linha de água e subir a vertente oposta. Tudo correu sem grandes demoras nem problemas poupando uns quilómetros de marcha e muito esforço.

A chegada a Verdelhos implicou a passagem sobre o Rio Zêzere por uma pequena ponte e a visita a um café local para comer e beber alguma coisa. Aproveitámos depois para encher os cantis num chafariz junto à igreja.

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Na Capela da Srª do Perpétuo Socorro (2005)

Consultado o mapa, lá iniciámos o caminho que nos levaria ao Poço do Inferno. E que caminho este, composto apenas por uma subida interminável e com um grau de inclinação muito pouco motivante e agradável, que nos fez suar e praguejar.

Na Capela da Srª do Perpétuo Socorro começaram a cair os primeiros pingos de chuva e um vento frio fez-se sentir. Tivemos que vestir o equipamento adequado para chuva e frio.

Seguimos depois até ao emblemático Poço do Inferno, lugar de beleza ímpar, onde se destaca a imponente queda de água, situada num recanto escarpado.

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No Poço do Inferno (2005)

Com o entusiasmo em ver o local partimos pelo caminho errado e quando nos demos conta do erro compreendemos que teríamos que fazer, por estrada, uma meia dúzia de quilómetros a mais. Decidimos então improvisar tomando um trilho de pé posto que, aparentemente, desceria a encosta na direcção de Manteigas.

O trilho entretanto acabou e as várias tentativas de procurar uma solução mostravam-se infrutíferas. Com alguma persistência descobrimos o que parecia ser um outro trilho que rompia pelo meio daquela vegetação algo densa no sentido descendente.

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Chegada a Manteigas (2005)

Desconfiados, lá seguimos pelo trilho abaixo voltando a perder-lhe o rasto. Atendendo ao desnível do local e à vegetação densa a preocupação de ter que regressar atrás instalou-se. Carregados e já com grande parte da descida efectuada voltar a subir não era uma opção interessante. Felizmente os deuses não nos abandonaram, pois conseguimos redescobrir a continuação do trilho.

Após completarmos a descida continuámos até Manteigas. Eram 17 horas e já estávamos a caminhar desde as 8h30 da manhã. O tempo ameaçava com chuva, estava bastante frio, estávamos exaustos e tínhamos a noção que para sair de Manteigas e arranjar um lugar para acampar ainda implicava muito tempo e esforço. Reunimos e concordámos que o melhor era darmos uma folga a nós próprios, dormindo numa cama fofa e comendo uma refeição farta e abundante.

Uma noite numa pensão, no quentinho dos quartos e na comodidade de uma cama fofa, era mesmo o que necessitávamos. Foi batota, mas soube tão bem!

 
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Pose em plena serra gelada (2005)

Pequeno-almoço tomado, saímos bem cedo para mais uma longa etapa. O nosso primeiro destino, as Penhas Douradas, ficava mesmo lá no alto. Mais de 700 metros de desnível em poucos quilómetros.

A subida foi longa e penosa dada a inclinação em alguns pontos da mesma.

Nas Penhas Douradas vimos os famosos chalés, muitos com um ar bastante degradado, parecendo até que estavam ao abandono.

O tempo começou a mudar e o vento começou a fazer-se sentir forte e gelado. As nuvens surgiram negras e o nevoeiro começou a tomar conta do planalto da serra.

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No marco geodésico do Cume (2005)

Equipámo-nos para o pior e partimos o mais rápido possível na direcção do marco geodésico do Cume. Queríamos chegar, se tal fosse possível, à Garganta de Loriga. Durante todo o trajecto fomos constantemente bafejados por esse vento forte e bem gelado.

Fomos caminhando pelo planalto gelado passando junto ao marco geodésico do Curral dos Martins (1721m) até chegarmos ao marco geodésico do Cume (1858m). Estavam três graus de temperatura quando lá chegámos.

A vegetação estava coberta de gelo e o nevoeiro cobria na totalidade os pontos de referência, sendo a visibilidade relativamente baixa. Navegámos então na direcção da estrada que vai para a Torre, com recurso à Carta Militar e a uma bússola.

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Acampamento perto da Garganta de Loriga (2005)

Passada a estrada, já perto da entrada do trilho que leva à Garganta de Loriga, vimos umas ruínas com um pequeno edifício, ainda intacto, semelhante a uma capela. Desviámos para as ruínas e montámos as tendas em local protegido pelas mesmas, aproveitando a capela para servir de sala de estar e de cozinha.

Preparámos o jantar e decidimos acender uma fogueira. Para além de ter sido uma tarefa difícil, dada a humidade da lenha, verificou-se que a ideia não foi muito brilhante. O fumo que invadiu a capela obrigou-nos a vir para o exterior onde passámos a gelar com o vento.

A aparição de uma pequena raposa e a queda de uns flocos de neve animaram o resto do dia.

Foi uma noite ventosa e gelada onde acordámos sobressaltados quando ouvimos as panelas a cair dentro da capela. A raposa veio assaltar-nos a dispensa.

 
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Descendo para Loriga (2005)

De manhã o nevoeiro estava denso e húmido e o vento frio fazia-se sentir bastante forte. As tendas estavam cobertas de gelo e à volta tudo estava branquinho. O nevoeiro cobria a serra e a visibilidade era pouca.

Tomado o pequeno-almoço procedemos ao desmontar do acampamento.

Começavam a chegar as notícias do grupo que se deslocava ao nosso encontro, e tudo corria bem e na hora prevista. À hora combinada lá nos deslocámos para o ponto de encontro e pouco tempo depois apareceu, por entre o nevoeiro denso que se fazia sentir, o autocarro com um grupo de mais de trinta caminheiros que vinha descer a Garganta de Loriga connosco. O sorriso que traziam nos lábios desapareceu logo que saíram do autocarro e sentiram o frio.

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O grupo em pose à chegada a Loriga (2005)

Estávamos a agrupar os caminheiros e a definir o trajecto quando fomos abordados por um elemento da GNR (do grupo de resgate de montanha) que nos indagou sobre o nosso destino e nos deu algumas informações sobre as condições meteorológicas previstas. Pouco depois iniciámos a descida ao longo desta espectacular garganta, cuja beleza marca sempre quem a percorre.

O passeio decorreu sem qualquer problema e os cinco aventureiros aproveitaram para conviver com o restante grupo, o que, após quatro dias de isolamento quase total, até soube bem.

Chegados a Loriga, uns aproveitaram para descansar outros para comer, outros ainda para visitar a vila. Não demorou muito a chegar o autocarro que nos levou até Gouveia acabando assim mais uma boa aventura.